A reforma tributária brasileira trouxe um novo Imposto sobre Valor Agregado (IVA) que promete simplificar o sistema, mas também acende um alerta para empresários do setor de serviços, especialmente aqueles enquadrados no Lucro Presumido e no Simples Nacional.
Com uma alíquota unificada prevista em torno de 28%, o IVA representará um salto drástico em comparação à carga atual de 16%–17% que o setor de serviços paga hoje. Esse aumento significativo de tributação coloca em risco a rentabilidade de empresas de serviços com alta folha de pagamento e poucos insumos dedutíveis – como agências de marketing, clínicas de saúde, escritórios de advocacia e empresas de TI.
Neste artigo, vamos dissecar o funcionamento do novo sistema de IVA, analisar seu impacto no setor de serviços, discutir as medidas paliativas (como alíquotas reduzidas e créditos presumidos) e, sobretudo, orientar os empresários sobre como se preparar para enfrentar esse novo cenário tributário.
Como funciona o novo IVA e o que muda na estrutura tributária
O Imposto sobre Valor Agregado (IVA) implementado na reforma tributária unifica os principais tributos sobre consumo atualmente em vigor. Na prática, cinco impostos (PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS) serão gradualmente substituídos por dois novos tributos: a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), de competência federal, e o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), de competência estadual/municipal. Juntos, CBS e IBS formarão o IVA dual brasileiro com alíquota unificada em todo o país.
Esse modelo segue o padrão de países desenvolvidos ao tributar apenas o valor agregado em cada etapa, eliminando a cumulatividade – ou seja, cada empresa poderá descontar dos seus débitos os créditos referentes a impostos já pagos na etapa anterior da cadeia.A proposta visa simplificar e equilibrar a tributação sobre consumo, corrigindo distorções e acabando com a “guerra fiscal” entre estados.
Contudo, a alíquota necessária para manter a arrecadação preocupou muitos analistas. Estimativas oficiais indicam que a alíquota-padrão do IVA ficará em torno de 26% a 28%, possivelmente a maior do mundo em impostos sobre consumo. O governo chegou a incluir uma“trava” de 26,5% para impedir que a alíquota exceda esse patamar, buscando evitar aumento da carga tributária global. Ainda assim, setores específicos podem sentir um peso bem maior dependendo de sua estrutura de custos.
No setor de serviços, historicamente beneficiado por regimes cumulativos e simplificados, a mudança para um IVA amplo e não cumulativo representa uma quebra de paradigma. Empresas de serviços que antes pagavam PIS/Cofins em regime cumulativo (3,65% sobre a receita) mais ISS (em geral 5%) – totalizando cerca de 8,65% sobre o faturamento – passarão a encarar uma taxa de 26%–28% sobre o valor agregado. Mesmo considerando ajustes no sistema, fica claro que o setor de serviços tende a pagar bem mais imposto do que paga hoje, o que acende um sinal vermelho para a competitividade dessas empresas.
Importante destacar que as micro e pequenas empresas optantes do Simples Nacional não serão imediatamente submetidas a essa alíquota elevada no seu regime unificado. O Simples Nacional, regime favorecido que concentra tributos em uma guia única, foi mantido com as mesmas alíquotas atuais para quem permanecer dentro dos limites de receita do Simples. Ou seja, a princípio, a padaria, o consultório ou a startup enquadrados no Simples continuarão pagando porcentuais similares aos de hoje.
Contudo, não se enganem: a reforma trouxe novidades que afetam indiretamente essas empresas. Uma delas é a criação do chamado “Simples Nacional Híbrido”, que permite à microempresa destacar e recolher IBS e CBS fora do DAS (Documento de Arrecadação do Simples) para que o tomador (cliente PJ) possa se creditar desses valores. Essa medida reconhece uma nova realidade: em um mundo de IVA, empresas maiores só terão interesse em contratar pequenos fornecedores se puderem aproveitar créditos tributários. Assim, as pequenas empresas que permanecerem integralmente no Simples, sem destacar o IVA, podem perder competitividade aos olhos de clientes maiores.
Afinal, ao comprar de uma empresa do Simples comum, o cliente não obtém créditos (ou obtém créditos reduzidos proporcionais aos impostos efetivamente pagos pelo Simples), o que encarece a operação para ele. Em outras palavras, estar no Simples continua vantajoso em termos de carga tributária direta, mas pode virar um passivo comercial se seus clientes demandarem fornecedores “com crédito”. É a estrutura atual de tributação sendo redesenhada: o que antes era simplificação pode, no novo contexto, se tornar um fator de decisão de negócios.
O impacto de uma alíquota de 28% para empresas de serviços com alta folha e poucos insumos
Para o setor de serviços, o diabo está nos detalhes da base de cálculo do IVA. Empresas industriais ou comerciais repassam mercadorias ao longo da cadeia produtiva e, em cada etapa, acumulam créditos dos insumos adquiridos, pagando imposto apenas sobre o valor que adicionam. Já uma empresa de serviços tipicamente agrega valor principalmente por meio de mão de obra, não de insumos.
Salários, honorários e custos de pessoal representam sua “matéria-prima”, mas esses itens não geram crédito tributário no modelo do IVA. O resultado? A alíquota cheia incide sobre quase todo o faturamento dessas empresas, sem muitas deduções. Nas palavras de Fernando de Freitas, assessor econômico da Confederação Nacional de Serviços (CNS), em um escritório de advocacia ou consultoria quase 100% do faturamento corresponde a valor adicionado (mão de obra e margem), então a alíquota de 28% recairia praticamente sobre toda a receita.
Em contraste, uma montadora ou fábrica paga IVA apenas sobre sua etapa específica de produção, pois consegue abater todos os impostos pagos nos insumos – do minério ao metal, do metal à peça, da peça ao carro.Esse diferencial estrutural explica por que o aumento da carga tributária será tão concentrado nos serviços.
Representantes do setor estimam que a tributação total de muitos prestadores de serviço pode praticamente dobrar, ou até mais. Estudos da CNC apresentados em audiências públicas indicam que, com a reforma, o setor de serviços terá um aumento de carga que pode ultrapassar 80%. Em números simples, tributos equivalentes a 8,65% da receita podem saltar para algo em torno de 26%–28%. Essa diferença alarmante reflete justamente o “vazio de créditos” enfrentado pela maioria dos negócios de serviços.
Empresas intensivas em mão de obra, como agências de publicidade, clínicas médicas, escritórios de advocacia e empresas de tecnologia, terão pouca ou nenhuma capacidade de compensar os 28% com créditos de insumos. Se hoje um escritório paga 5% de ISS sobre o faturamento, amanhã poderá pagar perto de 28% de IVA sobre esse mesmo montante – sem contar os tributos sobre lucro (IRPJ/CSLL) que permanecem à parte.
O efeito prático dessa alíquota elevada é potencialmente devastador para as margens de lucro e preços do setor. Duas saídas se apresentam, ambas indesejáveis: ou a empresa repassa o aumento de imposto para seus preços, encarecendo os serviços para o cliente final, ou ela absorve o custo tributário adicional, vendo sua lucratividade despencar.
Nenhuma das opções é trivial em um mercado competitivo. Luigi Nese, presidente da CNS, alerta que o impacto será “terrível” pois as empresas de serviços estão “no fim da linha” – não têm a quem repassar custos, diferente da indústria que repassa ao longo da cadeia. Muitos serviços operam com margens estreitas e preços já ajustados à sensibilidade do consumidor; repassar integralmente um acréscimo de imposto poderia reduzir drasticamente a demanda, à medida que clientes busquem alternativas ou simplesmente cortem consumo de serviços. Por outro lado, absorver esse custo significaria redução de lucro ou até operações deficitárias, o que ameaça a sobrevivência de diversos negócios. Em última instância, o setor de serviços teme uma combinação de aumento de preços, queda de demanda e retração nas contratações, o que contraria os objetivos declarados da reforma de estimular a economia. É uma encruzilhada perigosa: sem ajustes específicos, a reforma que busca simplificar e impulsionar o crescimento pode, paradoxalmente, sufocar o setor responsável por cerca de 70% do PIB e 60% dos empregos formais no Brasil.
Limitações no aproveitamento de créditos tributários e efeitos práticos no setor
No modelo do IVA, a não cumulatividade permite que empresas abatam do imposto devido tudo aquilo que foi cobrado nas etapas anteriores da cadeia produtiva. Contudo, para setores de serviços com cadeias curtas, esse benefício é extremamente limitado.
Mão de obra, aluguéis e despesas operacionais – que compõem grande parte dos custos dessas empresas – não geram créditos tributários. Assim, ainda que prestadores de serviços passem a apurar créditos de insumos pela primeira vez (já que hoje, no Lucro Presumido, PIS/Cofins é cumulativo sem créditos), muitos descobrirão que pouco haverá a creditar.
O advogado tributarista Lucas Barducco explica que as empresas do Lucro Presumido, antes habituadas a recolher PIS/Cofins pelo regime cumulativo, terão de se adaptar à sistemática não cumulativa (de débito e crédito) – porém sem encontrar muitos créditos para descontar, dada a natureza dos seus custos, ou seja, adotar a mecânica do IVA implicará maior complexidade contábil (controle de notas de insumos, apuração mensal de créditos etc.) sem, em contrapartida, o alívio tributário que outros setores terão. Esse descompasso entre obrigações e benefícios pode tornar a operação tributária ainda mais ingrata: o setor de serviços arcará com alíquota cheia e ainda terá de cumprir acessoriamente todas as novas exigências de apuração de crédito.
Do ponto de vista dos insumos consumidos por empresas de serviços, também há limitações importantes. Alguns insumos típicos (por exemplo, software, licenças, serviços contratados de terceiros) gerarão créditos, o que é positivo. No entanto, muitos prestadores de serviços adquirem poucos bens tributáveis em comparação a seu faturamento total. Não há matéria-prima física nem mercadorias revendas significativas. Assim, ainda que legalmente possam compensar créditos, o volume de créditos ficará muito abaixo do volume de débitos, resultando em alto imposto a recolher.
Além disso, a reforma tributária, ao mesmo tempo em que prometeu acabar com a cumulatividade, manteve algumas restrições de créditos para evitar perdas de arrecadação. Por exemplo, insumos como gastos com veículos de passageiros, algumas despesas administrativas ou itens específicos podem não gerar crédito (detalhes que dependerão da regulamentação final).
Na proposta aprovada, diversos setores conseguiram exceções e regimes especiais que acabaram elevando a alíquota padrão, mas pouco se cedeu em termos de ampliar o escopo de créditos. Portanto, a prática diária para empresas de serviços será: muito imposto destacado nas notas de venda e poucos créditos nas notas de compra. A diferença sai do caixa, afetando o fluxo de capital das empresas e exigindo cuidado redobrado no planejamento financeiro.
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Há ainda um efeito colateral competitivo importante vinculado ao aproveitamento de créditos: a relação entre empresas do Simples Nacional e empresas dos regimes maiores (Lucro Presumido/Real). Como mencionado, a empresa no Simples não destaca IBS/CBS na nota fiscal, então o seu cliente PJ não tem créditos a aproveitar daquela operação (ou tem apenas um crédito fictício reduzido, equivalente aos tributos efetivamente embutidos no Simples).
No cenário atual, isso não chega a ser crítico porque todo mundo está acostumado com a sistemática; mas no novo cenário de IVA universal, as empresas de médio e grande porte farão as contas de forma diferente. Ao escolher fornecedores, considerarão o crédito tributário recuperável como parte do custo efetivo.
Nesse contexto, comprar de um fornecedor do Simples pode se tornar relativamente mais caro do que comprar de um fornecedor que emite nota com CBS/IBS destacado (pois, neste último caso, parte do imposto volta via crédito), ou seja, sem nenhuma ação, muitos pequenos negócios do Simples podem perder clientes para concorrentes de maior porte ou para aqueles que aderirem ao regime híbrido.
A própria reforma anteviu isso e, por isso, criou a alternativa do recolhimento separado de IVA pelo optante do Simples. Contudo, essa solução implica que o pequeno negócio abra mão em parte da simplicidade e da carga reduzida do Simples para atender às exigências dos clientes. Ao optar por esse caminho, ele pagará a alíquota cheia do IVA (26,5% ou a reduzida, se tiver direito) na nota, gerando crédito integral para o tomador, mas suportando ele próprio esse imposto elevado. É um verdadeiro dilema: manter-se no Simples tradicional e talvez ser preterido no mercado B2B, ou migrar ao híbrido e arcar com uma carga tributária estratosférica para o seu porte.
Em resumo, as limitações de crédito no setor de serviços ocorrem em duas frentes. Na frente interna, pela estrutura de custos baseada em mão de obra que não permite abatimentos significativos – o que significa enfrentar a alíquota cheia na maior parte das operações. Na frente externa, nas relações comerciais, onde pequenas empresas podem ser pressionadas a mudar de comportamento tributário para não perder negócios, já que seus clientes buscarão maximizar créditos. Ambas as situações exigem atenção estratégica dos empresários, pois escancaram fragilidades do setor diante do novo modelo.
Alíquotas reduzidas para saúde, educação e outros: alívio parcial e limitações
Ciente dos impactos potencialmente severos sobre certos serviços essenciais, o legislador incluiu na reforma alíquotas reduzidas para alguns segmentos. Setores como educação, saúde e transporte público coletivo terão direito a uma redução de 60% sobre a alíquota padrão do IVA. Profissionais liberais de determinadas categorias (18 atividades ao todo, incluindo médicos, advogados, engenheiros, economistas, entre outros) terão redução de 30%.
Em termos práticos, supondo uma alíquota padrão de 25%, por exemplo, as instituições de ensino e clínicas de saúde pagariam 10% (ou seja, 40% da alíquota cheia) e profissionais autônomos enquadrados nas categorias beneficiadas pagariam 17,5% (70% da alíquota cheia). Profissões não contempladas nessa lista – como tecnologia da informação, marketing, consultoria empresarial, entre outras – ficarão com a alíquota cheia, sem desconto algum. À primeira vista, essas reduções são um reconhecimento importante de que há serviços de interesse social cujos custos não podem explodir da noite para o dia. No entanto, há limitações claras nesse alívio setorial.
Primeiramente, o escopo dos benefícios é restrito. Apenas algumas atividades foram agraciadas, e a delimitação exata de quem se enquadra em “educação” ou “saúde” poderá gerar dúvidas. Por exemplo, uma clínica de fisioterapia ou uma empresa de homecare entram no benefício de 60%? Um cursinho pré-vestibular privado conta como educação com desconto? Detalhes assim precisarão ser regulamentados, e classificações equivocadas podem levar a disputas e autuações. Ou seja, há uma zona cinzenta que exigirá atenção dos contribuintes para não usufruir de redução sem respaldo ou, ao contrário, deixar de aplicar uma redução cabível por desconhecimento.
Em segundo lugar, mesmo para quem tem a redução, o alívio pode ser insuficiente se a alíquota efetiva do IVA for alta. A fórmula das reduções foi concebida para manter a carga equivalente à atual nesses setores desde que a alíquota cheia ficasse em torno de 25%. Isso está registrado nas exposições de motivos: a ideia era neutralizar o impacto para saúde e educação com 25%.
O problema é que, durante a tramitação, foram incluídas tantas exceções e regimes especiais para outros setores que a alíquota de referência subiu para o patamar de 28%. Assim, aquela escola ou hospital que esperava pagar efetivamente 10% (40% de 25%) pode acabar enfrentando algo como 11,4% (40% de 28,5%). Pode parecer pouco, mas representa aumento de carga em relação ao cenário atual.
Muitos estabelecimentos de ensino privados, por exemplo, hoje estão no Lucro Presumido e pagam PIS/Cofins 3,65% + ISS (que varia, mas digamos 2% para educação em alguns municípios, ou até isenção parcial). Sua carga total pode girar em torno de 5%–7%, mesmo com a redução de 60%, enfrentar 11% de IVA significará duplicar a carga tributária sobre as mensalidades escolares, com possível repasse ao valor das mensalidades para milhares de famílias. O mesmo vale para hospitais e clínicas particulares que hoje contam com regimes favorecidos (alguns hospitais pagam PIS/Confins cumulativo de 3,65% e ISS isento ou reduzido). A conta não fecha sem aumento: se a alíquota final do IVA não for contida, nem mesmo os setores “protegidos” escaparão de pagar mais imposto que antes.
Além disso, a redução de 30% para profissionais liberais – que visa atividades como advogados e médicos autônomos – embora ajude, ainda impõe a esses profissionais uma carga possivelmente maior que a atual. Esses profissionais geralmente pagam ISS fixo ou em torno de 2%–5% sobre seu faturamento (dependendo do município) e, se constituídos como empresas no Lucro Presumido, recolhem IRPJ/CSLL sobre 32% do lucro presumido, mas não tinham PIS/Cofins a 9,25% como empresas de Lucro Real.
Com o IBS/CBS, mesmo reduzidos, podem ficar na casa de 17%–20% de tributo sobre receita, o que é um salto expressivo. Há também questões de justiça tributária: por que um engenheiro autônomo tem desconto de 30%, mas uma empresa de engenharia consultiva maior (que emprega vários engenheiros) não teria desconto algum? A reforma desenhou descontos para pessoas físicas prestadoras e para setores específicos, mas deixou de fora muitas empresas intensivas em serviço que não se encaixam nessas caixas. Isso pode gerar distorções e lobby futuro para ampliação das categorias beneficiadas.
Em suma, as alíquotas reduzidas setoriais são um alento, porém limitado. Funcionam como uma válvula de escape parcial para alguns serviços de cunho social (educação, saúde, transporte) e para profissionais autônomos, mas não eliminam completamente o aumento de carga – apenas mitigam.
Para a maioria das empresas de serviços – como as de TI, publicidade, limpeza, consultoria empresarial, etc. – não haverá qualquer desconto: a regra será a alíquota cheia do IVA e mesmo nos nichos com alíquota favorecida, a eficácia da medida depende de manter controlada a alíquota geral. Se o governo não conseguir segurar o IVA próximo a 25% (o que já parece improvável, dado o cenário de ~28%), até mesmo escolas e hospitais verão seus impostos aumentarem. Os empresários desses setores devem, portanto, usar o período de transição para recalibrar preços e custos, comunicando clientes e buscando eficiência, pois a promessa de neutralidade pode não se cumprir integralmente.
Créditos presumidos: discussões e polêmicas jurídicas em torno de aliviar a carga
Diante da perspectiva de um forte aumento tributário sobre serviços, surgiu no debate uma solução mitigadora: a concessão de créditos presumidos de IVA para o setor. Crédito presumido é um mecanismo pelo qual a lei permite que a empresa deduza um valor fixo ou percentual de imposto como se fosse crédito, mesmo sem haver um custo real tributado na etapa anterior. Em outras palavras, é um desconto artificial na apuração do imposto, geralmente justificado para equilibrar cargas setoriais. No contexto da reforma, a ideia seria compensar a falta de créditos decorrente da mão de obra criando um crédito fictício relativo aos gastos com folha de pagamentos.
Recentemente, o senador Laércio Oliveira (PP-SE) apresentou o PLP 63/2025 exatamente com essa finalidade: conceder um desconto para empresas prestadoras de serviços via crédito presumido na CBS. Pela proposta, 60% da alíquota da CBS seria convertida em crédito presumido, aplicável a empresas com uso intensivo de mão de obra
. Considerando que a CBS (federal) deverá ser em torno de 9% dentro do total do IVA, esse crédito presumido de 60% equivaleria a reduzir a CBS a 3,6% (ou seja, a empresa paga só 40% dos 9%). Curiosamente, 3,65% é exatamente a alíquota de PIS/Cofins cumulativa que muitos serviços já pagam hoje, o que sugere uma tentativa de manter a parcela federal da carga próxima ao status quo. Com essa medida, na teoria, prestadores de serviços acabariam pagando CBS de 3,65% em vez de 9%, e apenas o IBS (estadual/municipal, ~17%-18%) integral – resultando em algo como ~20%-22% de IVA total em vez de 28%. Seria um alívio significativo, embora ainda acima do patamar atual de ~16%-17%.
Porém, essa proposta de crédito presumido acendeu um debate jurídico acalorado. Especialistas apontam potenciais inconstitucionalidades e efeitos colaterais deletérios. O tributarista Breno Vasconcelos explica que a Emenda Constitucional da reforma (PEC 45/2023) previu que CBS e IBS tenham as mesmas regras; criar um crédito presumido apenas para a CBS, como sugerido, viola a uniformidade determinada no artigo 149-B da Constituição.
Além disso, a PEC também limitou a concessão de benefícios fiscais fora dos casos ali especificados, ou seja, um benefício novo dessa natureza poderia ferir a cláusula constitucional que proíbe incentivos não previstos, nas palavras de Vasconcelos, “o projeto viola a Constituição duas vezes: cria um incentivo fiscal não autorizado e quebra a simetria entre os dois componentes do IVA”.
Outra crítica é conceitual: conceder crédito sobre salários pagos (que são parte do valor agregado) seria desvirtuar a lógica do IVA, aproximando-o de um imposto sobre faturamento líquido ou até sobre lucro. “Dar crédito de imposto sobre mão de obra transforma o IVA em um imposto sobre renda”, alerta o tributarista, deformando o modelo e recriando as distorções do passado.
A referência clara é ao risco de o IVA brasileiro, tão almejado para ser simples e neutro, virar um “monstrengo” semelhante ao atual sistema de PIS/Cofins/ISS/ICMS cheio de exceções e regimes especiais. Em suma, críticos temem que a inclusão de um crédito presumido para serviços abra a porteira para vários outros setores pleitearem tratamentos preferenciais, comprometendo a neutralidade e elevando a alíquota geral do IVA para todos os demais.
Por outro lado, há defensores dessa medida emergencial. Argumenta-se que a situação do setor de serviços é excepcional e requer uma correção de rota para evitar um colapso de empresas e empregos. O advogado e contador Eduardo Pontes, por exemplo, pondera que “o prestador de serviço não aguenta uma alíquota de 28%”, reconhecendo que a regra geral deveria ser igual para todos, mas que é preciso olhar com cuidado para as atividades de serviços dentro da reforma. Ele admite que um crédito presumido setorial pode acabar forçando uma alíquota padrão um pouco mais alta para os demais, mas enxerga isso como um preço a pagar para salvar um setor intensivo em mão de obra.
O senador autor do projeto defende que o benefício seria direcionado apenas a empresas com mais de 75% de seus custos em folha salarial, justamente focando nos casos mais críticos, ou seja, não seria para todo e qualquer serviço, mas para aqueles em que a mão de obra é preponderante na estrutura de custos (o que abrange boa parte do setor, diga-se). Ele também critica o governo por não ter encaminhado soluções alternativas – lembrando que havia um compromisso do Executivo de propor a desoneração da folha de pagamento do setor de serviços em até 90 dias após a reforma, o que não ocorreu. Diante da inércia, o Congresso tenta agir.
No entanto, mesmo dentro do setor, há divergências sobre qual caminho seguir. Alguns preferem insistir na desoneração da folha via redução de encargos trabalhistas (INSS, etc.), em vez de mexer na estrutura do IVA. Essa seria uma solução fora do IVA, diminuindo custo de mão de obra diretamente. Outros veem o crédito presumido do IVA como mais efetivo e imediato para reduzir a base de cálculo do imposto. Nenhuma dessas soluções, contudo, é simples: a desoneração da folha impacta a Previdência e tem suas próprias controvérsias; já o crédito presumido, como vimos, enfrenta barreiras legais e fiscais. É possível que se tente algum meio-termo, como alíquotas setoriais diferenciadas dentro do IVA (além daquelas já previstas) ou um fundo de compensação temporário. Mas até o momento, o cenário regulatório para além do texto aprovado é incerto.
Para os empresários de serviços, é fundamental acompanhar de perto essas discussões. A eventual não aprovação de nenhuma medida mitigadora significará arcar integralmente com a alta de impostos. Se alguma forma de crédito presumido ou alíquota especial for aprovada, entender os critérios de elegibilidade será igualmente vital. De toda forma, contar apenas com a esperança de alívio legal pode ser arriscado – é prudente planejar-se considerando o pior caso (alíquota cheia) e tratar qualquer benefício futuro como um bônus inesperado.
Como se preparar: planejamento tributário, estrutura societária e tecnologias de compliance
Diante desse novo paradigma tributário, empresários do setor de serviços precisam agir proativamente. A pior estratégia possível é a inação – ficar parado esperando a tempestade fiscal chegar. Preparar-se com antecedência será fundamental para a sobrevivência e competitividade. Aqui estão algumas medidas e recomendações para enfrentar o IVA de 28% de forma estratégica:
Reavaliar o planejamento tributário:
Faça simulações do impacto do IVA nas suas operações e recalcule suas margens e preços. Identifique exatamente o quanto sua carga tributária pode aumentar e quais serviços ou linhas de negócio serão mais afetados.
Com base nisso, planeje estratégias de repasse parcial de custos aos clientes (com comunicação clara de motivos) ou busque redução de outras despesas para compensar. Avalie também regimes tributários alternativos: se sua empresa está no Lucro Presumido e a carga projetada ficou insustentável, talvez valha estudar migração ao Lucro Real (onde pelo menos os insumos geram crédito integral) ou, para negócios menores, fatiar operações para permanecer no Simples Nacional dentro do limite legal.
Cada caso exigirá cálculos cuidadosos e, possivelmente, aconselhamento especializado. O importante é não ser pego de surpresa em 2026. Desde já, incorpore em seu orçamento de 2025 e 2026 cenários com tributação maior, evitando sustos no fluxo de caixa.
Revisar a estrutura societária e operacional:
Examine se a configuração atual da sua empresa é a mais eficiente para o novo modelo tributário. Em alguns casos, pode fazer sentido segregar atividades em CNPJs diferentes – por exemplo, separar a parte de serviços puros (alta tributação) da venda de produtos ou licenciamentos (que têm mais créditos), para otimizar a apuração em cada um.
Há empresas de serviços que podem criar uma estrutura onde parte da mão de obra é terceirizada ou transformada em fornecedores pessoa jurídica (PJ) – embora esse movimento demande cautela jurídica trabalhista, ele poderia aumentar o volume de créditos (ao converter salário em nota fiscal de serviço tomada, gerando crédito de IVA).
Atenção: não se trata de incentivar pejotização irregular, mas de avaliar legalmente se certas atividades acessórias podem ser contratadas externamente de forma vantajosa. Outra frente é participar de consórcios ou cooperativas para compartilhamento de insumos: por exemplo, pequenas clínicas poderiam centralizar compras de materiais e equipamentos via uma pessoa jurídica em comum, que repassaria os custos com crédito de IVA destacado.
Localização e filiais também importam: lembre-se que o IVA será cobrado no destino do serviço, então se você atende clientes em outros estados, as alíquotas de repartição IBS podem variar; talvez abrir filiais operacionais próximas dos mercados consumidores faça sentido na estratégia de longo prazo. Cada medida dessas equivale a redesenhar processos e contratos pensando na tributação futura– são decisões complexas, mas que podem significar a diferença entre viabilidade e insolvência.
Investir em tecnologias de compliance tributário:
A reforma tributária inaugura um período de transição (2026–2032) em que conviveremos com o velho e o novo sistema simultaneamente. Isso aumentará muito a complexidade operacional: empresas terão que emitir notas fiscais com dupla informação (tributos antigos e novos), apurar créditos de um sistema enquanto ainda calculam impostos do outro, e manter controle rigoroso para não cometer erros.
É imprescindível adotar sistemas fiscais e ERPs atualizados, capazes de lidar automaticamente com as novas regras. Automatização de processos, inteligência artificial e análise de dados podem ajudar a mapear as operações tributáveis e garantir o correto creditamento e débito do IVA.
Ferramentas tecnológicas reduzirão o risco de erros de cálculo que poderiam gerar autuações ou pagamento a maior de impostos. Além disso, com as constantes mudanças regulatórias esperadas, sistemas bem parametrizados poderão ser atualizados com patches legais rapidamente, mantendo a empresa em conformidade.
A transformação digital na área fiscal, que já vinha ocorrendo, será acelerada pela necessidade de conformidade no IVA. Empresas que ainda fazem controles manuais ou em planilhas arriscam-se a não dar conta do recado. Investir em software fiscal e treinar a equipe de TI e contabilidade para as novidades não é mais opcional – é condição de sobrevivência.
Capacitação e consultoria especializada:
Diante de tantas mudanças, buscar ajuda especializada pode ser o melhor investimento que sua empresa faz neste momento. Isso inclui treinamentos tributários para sua equipe interna compreender a nova sistemática, participação em cursos ou workshops sobre a reforma e, principalmente, consultoria estratégica profissional.
Uma consultoria tributária experiente (como a CLMTAX) pode oferecer uma análise personalizada dos impactos no seu negócio, identificando oportunidades de economia tributária e estruturação mais eficiente. Pode também ajudar na revisão de contratos – por exemplo, contratos de prestação de serviços de longo prazo talvez precisem de cláusulas de reajuste tributário ou adequação ao IVA, algo que não era previsto antes.
Profissionais externos trazem uma visão atualizada das melhores práticas de mercado e conhecem as armadilhas a evitar. É importante se antecipar: a demanda por consultores especializados em reforma tributária já está crescendo e tende a explodir conforme 2026 se aproxima.
Quem deixar para a última hora pode enfrentar custos maiores e até escassez de bons profissionais disponíveis. Além disso, a Receita Federal e os fiscos estaduais certamente estarão atentos e poderão aplicar multas pesadas às companhias que não se adequarem quando as novas obrigações entrarem em vigor. Portanto, contar com apoio para garantir a completa conformidade desde o primeiro dia é uma proteção essencial.
Resumindo, preparar-se para o IVA envolve estratégia multifacetada: planejamento financeiro, reorganização inteligente, investimentos em tecnologia e apoio profissional.
O empresário do setor de serviços deve adotar uma postura ativa, quase de reformulação do modelo de negócio sob a ótica tributária, para não ser tragado pelas novidades. Ainda há tempo durante a fase de transição para experimentar modelos (por exemplo, optar ou não pelo Simples híbrido em algumas operações e medir o efeito) e ajustar o rumo antes que a aplicação plena ocorra.
A chave é não subestimar as mudanças: elas vão muito além de “pagar mais imposto”, afetando desde a formação de preços até a gestão de contratos e o capital de giro. Planejar agora é colher sustentabilidade adiante.
Conclusão
A implementação do IVA no Brasil representa uma transformação significativa no ambiente tributário, especialmente para empresas do setor de serviços. Diante desse novo cenário, a inação não é uma alternativa viável. Organizações que não se prepararem adequadamente enfrentarão desafios como aumento da carga tributária, redução da competitividade e impactos financeiros expressivos.
Para mitigar riscos e garantir a sustentabilidade do negócio, é essencial adotar uma abordagem estratégica, que inclua revisão do planejamento tributário, otimização da estrutura societária, investimentos em tecnologia de compliance e suporte de consultoria especializada. Empresas que se anteciparem poderão não apenas minimizar impactos, mas também identificar oportunidades para fortalecer sua posição de mercado.
A CLMTAX está preparada para apoiar sua empresa nessa transição, oferecendo soluções personalizadas para planejamento e adequação ao novo modelo tributário. Entre em contato conosco e prepare sua organização para a nova realidade fiscal com segurança e eficiência.